Por Demétrius Gonzaga de Oliveira – Delegado, Ex-Chefe do Núcleo de Combate aos Cibercrimes – NUCIBER
Nessa época em que foi celebrado, quase simultaneamente, o período mais romântico do ano – mês das noivas e dia dos namorados – reconhecemos admirados o quanto as novas tecnologias facilitaram e impulsionaram o estreitamento das relações interpessoais ao redor do planeta. Passadas quase três décadas desde que a rede mundial de computadores – Internet – tornou-se acessível aos usuários brasileiros, já não é mais viável sequer tentar aferir o volume de felizes enlaces concretizados entre casais que alcançaram a felicidade através dessa via tecnológica e dos aplicativos dela decorrentes. No entanto, não podemos olvidar que, como ocorre com quase todas as inovações, sérios riscos se apresentaram em face do uso inadequado de tais recursos e no tocante ao aspecto de relações interpessoais, o que merece significativa cautela e profundas reflexões é a questão dos crimes virtuais praticados pelos estelionatários vulgarmente conhecidos como “Don Juans” virtuais. Nessa modalidade delitiva, o criminoso inicia sua atividade “garimpando” informações a respeito das potenciais vítimas. Para tanto, ao longo de semanas ou meses de observação, elabora dossiês à partir de informações pessoais, principalmente disponíveis em comunidades virtuais. Seu objetivo inicial está voltado a coletar dados – pessoais e patrimoniais – que lhe permitam, portanto, conhecer o atual estado de espírito de seu alvo que, via de regra, pode ser encontrado em manifestações de pesar, depressão pós termino de um relacionamento, frustrações ou até pela busca de alguém para consolidar uma união estável. Mister se faz reconhecer que apesar do imensurável volume de ocorrências policiais graves, desencadeadas em decorrência de relacionamentos virtuais, muitos internautas, pelas mais variados motivos, ainda usam a Internet como válvula de escape, desabafo ou por mero exibicionismo. A experiência de quinze anos como criador e titular da primeira unidade investigativa de cybercrimes do Brasil – NUCIBER/DPC/SESP/PR – só confirmou que desde a inauguração, em 2005, os estelionatários que praticam o “golpe do amor” já estavam atuando. Interessante observar que, passados dezoito anos, o “modus operandi” dos criminosos passou por mínimas mudanças estratégicas, senão vejamos: O PRIMEIRO CONTATO. Na maioria das vezes, ocorre após uma solicitação de amizade em comunidade de relacionamento que reúne perfis abertos (sem restrições de acesso e que permite identificar todos os participantes) e não raras vezes após a Vítima observar que o solicitante já tem amizade com pessoas conhecidas, pois isso reveste a estratégia criminosa com uma falsa impressão de credibilidade. Pode ocorrer também que o estelionatário promova a solicitação usando o nome e a foto de terceiros, identificados como amigos nas comunidades abertas retrocitadas. É bastante comum que, dado o grande volume de amizades, a Vítima não perceba que a verdadeira pessoa cuja solicitação ora lhe é feita já consta entre seu rol de amigos e em face desse lapso de memória acaba aceitando o pedido do criminoso que, ilicitamente, está usando o nome e a imagem de outra pessoa. A cautela, portanto, recomenda que antes de aceitar tais requisições, o internauta fale com a pessoa que está pedindo amizade e, sendo possível, com as pessoas identificadas como amigas em comum para confirmar se realmente é a responsável por aquela solicitação ou, pelo menos, se os amigos realmente conhecem e podem bem referenciar o solicitante. A GLAMOURIZAÇÃO A tática de utilizar um “mise en scène” para despertar a atenção das Vítimas, invariavelmente se traduz em um cenário ilusório que reveste o golpista de nome e dados falsos, tais como a identidade de um militar estrangeiro de alta patente portador de muito dinheiro ou barras de ouro “encontradas” durante participação em um conflito internacional, ou de um abastado empresário, solitário, que sonha em encontrar sua cara metade aqui no Brasil. Vale destacar que dentre as estratégias de aproximação, algumas das Vítimas chegam a receber alianças, joias e até remessas de cheques internacionais para serem descontados em casas de câmbio. Além disso, vários foram os casos em que as Vítimas, iludidas, receberam mensagens que apresentavam imagens de passagens aéreas (falsificadas), com destino marcado para aeroportos brasileiros, geralmente Galeão/RJ, acreditando que o pretendente realmente estava adotando as providências para vir ao Brasil. Em estratégias mais sofisticada, algumas dessas mulheres recebiam mensagens em que o golpista, ardilosamente, dizia já ter pousado em território brasileiro mas que, ele e seu dinheiro ou bens, haviam sido retidos na alfândega do aeroporto, razão pela qual solicitava que, em caráter de urgência, lhe fosse “emprestada”, mediante transferência via PIX, um certo montante em dinheiro, para que pudesse se desembaraçar dos fiscais e prosseguir viagem. Algumas Vítimas perderam muito dinheiro dessa maneira, sendo que em um dos casos mais estarrecedores resultou em um prejuízo de cerca de duzentos e cinquenta mil reais. Dois desses casos despertaram atenção: No primeiro, uma jovem brasileira, após aceitar o pedido de amizade de um rapaz que se dizia um bem sucedido empresário, que afirmava residir em Londres, passou a ser amplamente cortejada, através de reiterados elogios e galanteios. Sem delongas, não demorou muito para a jovem receber, em casa, via remessa internacional, um belíssimo anel acompanhado do respectivo pedido de noivado. Desconfiando da pressa com que o pretendente tomava tais decisões, sem ao menos conhecê-la pessoalmente, a jovem decidiu coletar informações mais precisas sobre seu pretendente. Mal começou, e acabou se deparando com a notícia de que ele havia sido preso, por participação em um grupo radical, cujos integrantes eram suspeitos de ataques violentos em vários países. Dentre suas estratégias de infiltração em países estrangeiros, foi descoberta a tática de conquistar e conseguir enlace com mulheres de outros países, aonde pudessem estabelecer novas células de atuação. Recordo, também, do caso de um homem que, pouco tempo depois de iniciar um relacionamento virtual com uma jovem, sedizente filha de um Embaixador de outro país e que em um determinado momento, pediu dinheiro emprestado para atender uma “emergência”. Dias depois, esse mesmo homem recebeu uma ordem de pagamento, de valor muito maior para que trocasse, descontasse sua parte e devolvesse o restante. Ao tentar a operação, acabou preso, em flagrante, por estelionato, no momento em que retornou ao estabelecimento, pois os funcionários detectaram tratar-se de documento oriundo de golpe aplicado por uma quadrilha internacional e acionaram a Polícia local. DIFICULDADES NA ESTATÍSTICA No Brasil, ter acesso a dados estatísticos que revelem o volume de ocorrências dessa natureza ou a evolução do número de casos é tarefa extremamente difícil, isto porque o dispositivo legal ora adequado é o do Estelionato, previsto no artigo 171, do Código Penal Brasileiro. Esse crime, especificamente, apresenta como característica principal o fato de o criminoso obter vantagem indevida sobre a vítima. O problema é que isso pode se dar de inúmeras maneiras distintas, dentre as quais: emissão de cheque sem fundos, a venda de falso bilhete premiado, vender um bem e não entregar, até o golpe do falso “Don Juan”. Assim, sem um mecanismo de individualização que permita identificar dentre as diversas modalidades desse delito quais efetivamente são de “golpes do amor”, as próprias estruturas estatais encontram dificuldades em identificar números precisos, ou seja, os próprios bancos de dados oficiais, não trazem uma opção que identifique, dentre os milhares de casos, quais especificamente são os que correspondem a essa modalidade delitiva. O GRANDE DILEMA – A DENÚNCIA Para o ser humano, afetado pela perda de um ente querido, pela carência afetiva ou por distúrbios emocionais, encontrar alguém com que possa estabelecer uma relação normal, feliz e sadia não é tarefa simples. Muitos dos que se encontram nessa situação, mesmo tendo parentes e amigos que lhes dedicam atenção, aspiram encontrar uma nova parceria. Isso é saudável, e é próprio da natureza humana. No entanto, uma decisão dessa magnitude pode esbarrar até em certa insurgência familiar. Sopese-se então as dificuldades quando a aproximação se dá pela via virtual. Situações embaraçosas como essa, em diversos casos, acabaram levando as Vítimas a manter profunda discrição quanto ao avanço das conversas. Meses de confidências veladas, conversas reveladoras e até de exposições patrimoniais e íntimas – gravadas pelos criminosos – acabaram tornando vários homens e mulheres reféns de chantagens e extorsões, das quais as Vítimas não sabiam como se desvencilhar e inevitavelmente lhe causaram significativos dissabores e prejuízos. Todos esses casos tiveram, como denominador comum, o fato de que as pessoas afetadas não tiveram coragem de contar para familiares ou amigos o que havia acontecido, assim como o tamanho do seu dano financeiro e principalmente moral. Esse dado chama a atenção porque, seguindo essa linha de raciocínio, podemos concluir que a maioria dos casos não é levada ao conhecimento das Autoridades Policiais, pois o constrangimento em reconhecer ter sido enganado por tanto tempo, é literalmente avassalador. Embora uma mistura de sentimentos (decepção, frustração e arrependimento) possa tomar conta de quem for enganado é preciso sim, formular denúncias, caso contrário, outras pessoas também poderão ser vitimadas e os criminosos continuarão livres para continuar enganando outras pessoas. As diversas investigações, frutíferas, que resultaram em prisões e buscas e apreensões, sempre contaram com a colaboração das vítimas que subsidiaram os policiais com diálogos, fotos e outras informações imprescindíveis para as respectivas elucidações. Recomendações – Evite, antes de conhecer suficientemente o pretendente, exposição exagerada de dados em comunidades de relacionamento ou mesmo em conversas privadas, inclusive de geolocalização, bens patrimoniais ou informações ou imagens que possam expor parentes e familiares nessas comunidades. Nunca esqueça que o alvo pode não ser você, mas alguém próximo. – Jamais ceda a exibições que possam vulnerabilizar a sua intimidade, mesmo que o solicitante se antecipe em lhe oferecer material dessa natureza. – Não marque encontros em locais ermos. Procure locais de grande circulação e revestidos da máxima segurança possível; – Evite receber presentes ou encomendas, pois podem ser frutos de ilicitude e certamente podem lhe causar sérios embaraços se isso se confirmar. – Para revestir-se de segurança, antes de iniciar novos relacionamentos, procure coletar e confirmar o máximo de informações sobre o(a) pretendente e, se possível, procure investir em segurança, através da contratação de empresas e serviços especializados, tanto para fazer verificações, quanto para selecionar e depurar os(as) melhores pretendentes. – Afinal, não podemos esquecer que todo casamento só se consolida através de um bom contrato, em que as partes elegem, em comum, as melhores e mais seguras convenções para caminharem juntas na trilha da felicidade. Se for vítima o que fazer? Nunca apague nada. Estruture um dossiê das conversas, contatos, fotos e o que mais conseguir reunir sobre a pessoa a ser investigada. Todo contato, por meio virtual, celular, deve ficar devidamente registrado e arquivado. Acaso cedeu a pedidos de empréstimos, guarde todos os comprovantes. Leve todos esses dados a Delegacia mais próxima e peça a lavratura de um Boletim de Ocorrência.
Demétrius Gonzaga de Oliveira – Delegado e Ex-Chefe do Núcleo de Combate aos Cibercrimes – NUCIBER[1].
[1] O NUCIBER – Núcleo de Combate aos Cibercrimes – foi criado no dia 18 de novembro de 2005, através da Resolução nº 293/05 da Secretária da Segurança Pública do Paraná , tornando a Polícia Civil do Paraná a primeira a contar com órgão específico para o combate aos crimes cometidos por meios eletrônicos.